Todo esse tempo oferecendo um produto pedagógico, observei uma característica recorrente em diversas famílias: o julgamento do aproveitamento da criança no curso se dá pela quantidade de atividades que o aluno pára, presta a atenção ou responde fazendo o que "parece ser" solicitado por uma atividade: correto manuseio de um instrumento, relaxar durante a massagem dirigida ou fazer os gestos ou coreografias de uma música corretamente. Embora essa interatividade seja um bom indício do envolvimento positivo da criança com a aula, está longe de ser a única forma de perceber que está havendo desenvolvimento.
Sobre os alicerces teóricos que acredito, a aula de música para a criança pequena é um momento único e estruturado onde é oferecido um ambiente rico musicalmente. As atividades são pensadas para que as crianças possam dar conta cognitivamente dos problemas propostos e a tarefa da professora é a de provocar, estar disponível e fazer incontáveis leituras sobre o que observa nos alunos para re-oferecer uma nova (ou repetida) proposta que seja significativa para as crianças. Eu faço o planejamento com base no que conheço sobre uma turma de bebês/crianças e adapto esse planejamento à medida que percebo as construções que cada um dos meus alunos estão fazendo. Esse é o ciclo básico. É a partir disso que começa a brincadeira.
Cada momento que ofereço (imaginem que eu sugeri, por exemplo, uma massagem baseada em um padrão ritmico recorrente em uma canção). Meu objetivo principal é que o movimento que a mãe faz no corpo do seu filho seja percebido pela criança, mesmo que não saiba nomeá-lo ou mesmo compreender o todo da canção. Essa associação entre a música e o movimento aumenta o repertório rítmico do bebê e o desafia a decodificá-lo. A mãe também é beneficiada, uma vez que aprende uma forma nova de reorganizar o material musical. Assim, o embalo, as danças e o cantar tendem a estruturar-se melhor sem que ela nem se dê conta das suas próprias conquistas. O que descrevi até agora foi o pensamento inicial que tive com uma proposta, mas absolutamente nada garante que meu fim será atingido e, verdadeiramente, isso não faz diferença.
A criança (e sua mãe) não são sujeitos passivos diante do que é oferecido. Cada indivíduo vem com uma trajetória única e depende dessa trajetória de vida o que cada um estará motivado a aprender. Voltando ao exemplo da massagem, veja alguns exemplos de aprendizagens que podem surgir na mesma atividade:
...pode ser que este momento da aula proporcione construções no âmbito da afetividade, da troca de carinhos com o adulto.
...pode ser que proporcione um desafio à concentração, na capacidade de escutar ativamente uma música sem associá-la ao dançar.
...pode ser que a melodia ou os instrumentos sejam mais chamativos para a criança, que associa com outra música já escutada.
...pode ser que seja a melhor hora para observar os colegas e notar-se parte de um grupo.
...pode ser a melhor hora para treinar aquela corrida pela sala em alta velocidade e, porque não, o momento perfeito para testar os limites [sociais] e suas habilidades motoras.
Tudo isso pode acontecer num mesmo momento e nada disso é errado. Não existe aprender errado e não existe não aprender. Existe a falta de tolerância e a incapacidade do professor dar-se conta dessas possibilidades infinitas. E isso não é legal.
Quando uma criança não faz exatamente o que "parece que foi solicitado" ou "o que um adulto responderia" não quer dizer aproveitamento menor ou desajuste, quer dizer que a criança está sinalizando que está envolvida em uma proposta à sua maneira e que esta maneira não está exatamente conectada às expectativas de pais e professor. Cabe ao professor sensibilidade para, de repente, ajustar o desafio musical para que então este se torne mais significativo para o pequeno aluno, caso julgue necessário. Ao pai e a mãe cabe a sensibilidade de diferir a situação que expus de um desconforto real, onde a aula seja realmente um sofrimento para a criança e sua família.
Para finalizar esta explicação devo dizer que nem sempre aquele aluno que reproduz os gestos dos adultos, manejando um instrumento de forma hábil, dançando com desenvoltura ou cantando uma canção do início ao fim sem erros está demonstrando mais condições ou estruturas mentais mais complexas. Aquele aluno que inventa, que desafia e que se rebela pode, diversas vezes, estar demonstrando que sua mente está mais desenvolvida ainda. O inverso também pode ser verdade...
Deixo vocês com essa reflexão.
Um abraço, Profe Paula.
Ótima reflexão, Paula, sobre expectativas de pais e professores. Recomendarei a nossos alunos do PROLICENMUS em vias de embarcarem no estágio. Preciso visitar este blog com mais frequência.
ResponderExcluirPaula, geniais tuas reflexões! Que tal transformá-las em um artigo científico? É essencial que os educadores musicais estejam a par destas coisas tão importantes! Parabéns!!!!
ResponderExcluirAo Professor Augusto, obrigada pela visita! Sempre um presente! Estou adicionando teu blog nos meus links, pois acho que nosso público se fala um pouco, não é?
ResponderExcluirPatrícia! Obrigada pela visita! A ação docente tá sempre tão afastada da reflexão científica, de métodos que aprimorem e validem o que é feito junto com os alunos, não é mesmo? O projeto tem esse intuito de unir essas duas pontas, de ser cuidadoso com o que é oferecido e atento com o que é percebido na sala de aula. Vamos ver se isso não vira umas palavras em alguma revista esse ano ainda! Obrigada pelo incentivo! Beijo!